Idiomacidium

Assassinar o idioma? Prometo que vou tentar matá-lo só um pouquinho!
Assuntos? Jornalismo, Literatura, Cinema, Cultura, Política. Da vida? Tudo!

Sunday, April 23, 2006

Rainha solitária

Ela estava só, linda e só, como uma rosa solitária num jardim. Haviam outras flores, mas que não competiam com ela, por sua beleza, por suas cores, pela sua imponência, pela exata proporção de linhas. Reinava sem súditos, não exigia coroa, cetro, nem mesmo magestade, atributo que as outras flores lhe concediam por bondade, ou por força de reconhecerem nela essas qualidades.

Passaram dias e noites, ela de botão abriu em mais linda flor ainda - como se possível isso fosse -, suave perfume, sublime, cor de um vermelho inebriante e cativante. A luz do dia resplandecia em si, a luz da noite prateava-lhe as petálas. Mais dias e noites passaram naquele jardim. As petálas da rainha começam a cair, uma a uma, e de linha ela vai se tranformando em horrendo botão pelado, murcho, desproporcionado.

Uma resistente margaridinha cochicha para sua vizinha: - Viu só! Eu não disse que isso de beleza demais não estava certo? Dia de muito, véspera de pouco! Eu sabia que isso ia se acabar num teatro de horrores...


Saturday, April 01, 2006

Para escrever

Para escrever é necessário ter alguns dotes (boa palavra essa, "dotes", uma palavra prendada, até parece coisa de moça casadoira), mas voltemos aos dotes do escritor: precisa ter alguma coisa para contar, saber como contar, e ter a vontade (ou a cara de pau?) de contar.

Vejam esse exemplo:
Wednesday, June 19, 2002
( 3:40 PM )*********
Hoje

( 3:37 PM )*********
Ah..... acabei de chegar em casa, sabe como é foda morar sozinho (sem empregada), vou ter que lavar a frigidaire que usei ontem, é a unica....... que temos.

( 3:33 PM )*********
Opa sempre há um começo.....

Nem todos os blogs são eternos, muitos morrem por várias razões, até pela mais triste delas, quando morre o seu dono. Não sei dizer qual foi a "causa mortis" desse blog, que não vou revelar o nome porque não seria ético, mas posso dizer que ele durou exatos sete minutos, menos do que uma transa, que - dizem - dura em média onze minutos. Assim o blog nasceu às 3:33 PM (número bonito para começar um blog!) do dia 19/06/2002 e estava morto às 3:40 PM do mesmo dia.

Na sua curta vida, que espero não seja a do blogueiro, mas somente a do blog, ele serviu para contar ao mundo que "para tudo há um começo..." (frase que terminou com os proféticos três pontos; sim, porque três pontos sempre são proféticos, deixam o futuro em aberto...); depois relatou algo estranho.

Não quanto a confissão de ter recém chegado em casa (às 3:37 PM, mas admite-se que tenha sido antes, pois o blog foi criado às 3:33PM - elementar meu caro Watson!), nem quanto ao fato de morar sozinho ou de não ter uma empregada doméstica.

Mas a frase que se segue é reveladora e ao mesmo tempo altamente intrigante: "vou ter que lavar a frigidaire que usei ontem, é a unica....... que temos''. Como assim? Porque lavar a frigidaire? O que teria estado dentro dessa frigidaire e que agora estaria a exigir uma lavagem? Um corpo... espera-se que de um exemplar suíno, vacúm, ou de galináceo. Não! Não vá me dizer que seria pedaços de um corpo hum...

Também me chama a atenção o final dessa estranha frase: "...que temos". Como assim, "temos". Mas não foi você que afirmou um pouco antes que morava sozinho? Agora esse plural estranho e comprometedor. Nós? Será que antes seria "nós" e agora depois de... Nós quem, cara-pálida? Suspeito isso...

Voce está gostando da história? E veja que ela nasceu de um blog morto, que durou sete minutos em 2002, e que contém apenas 34 palavras. É por isso que eu comecei esse post dizendo que "Para escrever é necessário ter alguns dotes..."